Efeito paralisante

Description of image

Há muito tempo iniciou-se um processo de avaliação das "melhores empresas para se trabalhar", ou algo assim. Avaliava-se (ou ainda se avalia) salário, oportunidades, ambiente de trabalho, etc. Em uma dessas um dos destaques era uma parceria com uma clínica de psicologia que atendia gratuitamente os trabalhadores em sofrimento e tinha um programa específico para pessoas que faziam uso abusivo de álcool e outras drogas. Esse era o grande 'diferencial' da empresa. Contei com orgulho para meus amigos que havia conseguido uma vaga lá.

Dois anos depois acordei com sintomas de infarto, descobrindo pouco tempo depois que havia sido uma crise de pânico. Poucos meses depois tive minha primeira crise de esgotamento e logo fui demitido. Não por incopmpetência, mas por não dar conta do rojão. Anos depois entendi o motivo de existência da clínica: a empresa adoecia tanto seus trabalhadores que precisava atenuar a situação. Não era preocupação com a pessoa, e sim com o trabalho, que deveria ser feito a qualquer custo para a pessoa trabalhadora.

Recentemente o governo federal estabelece, na lei 14.831/2024, "o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental" que é difícil discordar, pois estabelece ações e políticas que promovam a saúde mental para garantir o certificado. Quem poderia discordar disso? Imagino ser óbvio que isso só vai acontecer na medida em que não afetar custos e carga de trabalho. Fazendo uma analogia, se você se cortou e está com uma infecção e com febre, a empresa vai te dar um antifebril. Isso apenas alivia os sintomas, sem resolver a situação em si, que deveria ser a cura da ferida.

Da mesma forma, as empresas não vao se preocupar com a pressão por produtividade, com a dificuldade para se aumentar o salário, com excesso de carga horária, com recusa em oagar horas extras devidas, com fornecimento de equipamentos de proteção individual suficientes para proteger de acidentes, etc. A não ser que isso mantenha a produtividade, a eficiência e os lucros, às custas da saúde integral de quem faz o serviço.

Veja esse vídeo de uma das mais respeitadas universidades do Brasil, a Unicamp. No momento 0:58, a pessoa diz: "a gente pode ficar sem estresse? Evitar? Não!". Aqui é o pronto principal do tema desse post. Sim, é possível evitar. Mas empregador algum vai fazer isso espontaneamente. Os empregados devem se unir, se mobilizar de forma a garantir que os assédios e situações adoecedoras sejam entendidas como tal e, num processo de aprendizado e vigilância constante, seja eliminado das práticas corriqueiras.

Se for entendido que o sofrimento no trabalho não pode ser eliminado, tendemos a nos paralisar e aceitar, passivamente, o inevitável adoecimento.

Imagem: https://pixabay.com/pt/illustrations/rob%C3%B4-brinquedo-metal-andr%C3%B3ide-1797548/